Autor: Sebastião Jacinto dos Santos
Formado em Filosofia - Licenciatura Plena e Bacharelado - pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Curso Especialização em Educação e Sustentabilidade Ambiental - (UFRN). Com experiência no trabalho com jovens infratores e com formação em Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
Em nosso artigo fica esclarecido desde o início que a temática que pretendemos abordar é de grande atualidade para o pensamento e a prática política contemporânea já que “A nova questão social”, apresentado pelo Robert Castel na obra: A Metamorfose da Questão Social é também, atual, histórica e de grande significado sociológico.
Trabalharemos com quatro categorias: O trabalho, a Política, o Estado e a Escola. Esperamos também, que esse estudo possa nos favorecer um conhecimento mais aprofundado realidade social, e das questões que dela brotam. Um conhecimento que tenha mais precisão, profundidade e coerência pode conduzir a uma opção mais lúcida na tentativa de construir um modelo para o entendimento e organização da Sociedade Civil em nossa época.
Na realidade, o que desejamos é que este estudo tenha a oportunidade de ser confrontado com outros que também buscam um novo entendimento do conceito da realidade social. O diálogo com as propostas diferentes e quem sabe até opostas elucidará um caminho para a compreensão e construção da Sociedade Civil que necessitamos hoje.
1. QUESTÃO SOCIAL BRASILEIRA
No mundo contemporâneo, denominado por muitos de pós-moderno, presenciamos uma forte rejeição dos valores e das instituições que marcaram a época moderna. Por um lado esta rejeição se deve ao fato de que muitas dessas instituições já não conseguem corresponder aos problemas suscitados pelo mundo atual. Por outro lado, percebemos que a rejeição também surge por conta da propaganda ideológica patrocinada pelo capitalismo neoliberal.
Dentre estas instituições, encontramos a escola com o papel de transformar o sujeito passivo em sujeito critico, capaz de inventariar a realidade cotidiana. Ela se torna o principal canal de formação do sujeito para a participação social da modernidade. No entanto, há até quem defenda a idéia de que estamos na iminência de uma crise educacional e que as tentativas de melhoramento não se concretizará, por diversos fatores.
Uma das propostas de Robert Cartel defende que, a questão social passa pelo enfraquecimento da condição salarial. Nesse sentido podemos também afirmar, que a escola enquanto aparelho vinculado à onda de produção capitalista passa também por um enfraquecimento com a inadimplência e quebra dos interesses contratuais, por parte dos pais e responsáveis pelo aluno.
Para Marx o modo de produção de vida material condiciona o processo de vida social, político, espiritual. E que não é a consciência dos homens que determina o seu ser mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência, isto é, não é a maneira de pensar que determina o meu lugar na sociedade, mas é o meu lugar na sociedade que determina o meu pensar na sociedade.
Seria ingenuidade afirmar que as formas políticas (Estado) e jurídicas (leis) fossem autônomas e não sofresse influências da base econômica. Para ele a economia é uma estrutura na qual se levanta uma superestruturas jurídica, política, a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência.
Explica Marx, à luz do desenvolvimento histórico dos modos de produção, que uma classe dominante ao deter a propriedade dos meios da produção material controla igualmente os meios da produção mental, impondo deste modo suas idéias às classes que não possuem nem controlam nada. E as idéias dominantes numa dada sociedade nada mais são do que a expressão das relações sociais de dominação.
Concorda-se que os dias atuais, no Brasil, se faz urgente uma analise da questão social mais pelo âmbito político que do enfraquecimento da condição salarial, como afirma Robert Cartel. A sociedade requer um partido político adequado a trabalhar, na tentativa de dar resposta aos problemas de hoje, no entanto, o que se ver é uma busca pelos interesses individuais partidários. Falta um esboço alternativo para a concepção e identidade do partido, levando o País à “nova questão social”: CPIs alimentadas pelo dinheiro da nação. O povo é enganado e o tempo que deveria ser investido no trabalho da população, acaba sendo utilizado em benefício próprio. O que faz o povo? Assiste ao show proporcionado pelos políticos que procuram se lançar para alem de suas realidades: roubo, corrupção, paternalismo político, apadrinhamentos... O Que resta? Um sonho utópico que adormece o homem em sua consciência.
Mas, o que caracteriza toda e qualquer concepção antropológica é a consciência de que o homem não é algo pronto e acabado. Mais do que qualquer ser, o homem é o único capaz de ter tal consciência, a qual implicam necessariamente a elaboração constante de indagações que questionam a si mesmo. Principalmente no que refere ao passado e ao futuro: o que fomos? E o que seremos? Questões que se colocam num presente que cada vez mais desafia o homem, ser singular e social que, sendo existente, dá-se conta de que é concreto, integral, vivo e atual. E consciente de tal realidade, chega-se à conclusão de que a sua concretude e a sua realidade só são possíveis na história, que é vivida e sempre aberta a novas atualidades, ao possível.
Por sua consciência, por sua interioridade objetiva, o homem está permanentemente aberto ao ser. A possibilidade é a categoria fundamental do ser humano, pois os projetos se fazem na base de que quem os formula já seja algo. A possibilidade é sempre possibilidade de uma atualidade do ser.
A consciência da fome não fecha o homem sobre a sua condição miserável de faminto. Ao contrário, o leva a sair da sua miséria e a procurar uma solução. O acordar transforma-se de atordoamento em perguntas até em atos: o que comer? Onde buscar comida? Como fazer para que o amanhã possa reduzir a minha fome? Assim, surge o primeiro esboço das utopias, isto é, de construções, imaginárias pelas quais o homem tenta imaginar situações em que estas necessidades sejam reduzidas ou deixem de existir.
A consciência descontente de um não-ter faz com que surja um ato impulsionador para fora, que busca algo que não está efetivado concretamente. Assume uma perspectiva militante que questiona a própria realidade e direciona-nos à construção de uma positividade como "possibilidade de ser" e como "possibilidade de ter". O não ter nos impulsiona à concepção de utopias, que nos fazem imaginar realidades emancipadoras e mais humanas.
Na esperança, a utopia assume um tom concreto, enraizado no mundo e na história. Os sonhos de uma vida melhor não são ilusões ingênuas que não portam consigo o possível, mas ao contrário, tornam-se elementos constitutivos de uma esperança como princípio do saber prático, que mostra ao homem os objetivos a serem alcançados para que as necessidades já imaginadas possam ser realizadas. É no seio da esperança que surgem as utopias como elos fortificantes e comunicantes entre a realidade atual e a possibilidade de um ser-de-outro-modo. O “novo” se antecipa proclama a existência de um conteúdo ainda não efetivo, ainda não realizado no mundo objetivo.
A cartilha dos sonhos da humanidade é sempre perene. Mais do que limitação psicológica individual, os sonhos assumem a capacidade gestadora na coletividade. O que dá sentido ao sonhar-para-frente é a certeza de que mais do que favorecimento ao indivíduo enquanto tal, o "novo" é o júbilo para toda a humanidade. É a partir do “novo” que o homem irá construir um novo tipo de sociedade, na qual efetivar-se-à a emancipação e a libertação do homem.
2. A NOVA QUESTÃO SOCIAL PASSA PELA REFORMA DO ESTADO.
Percebemos que no debate atual em torno das reformas do Estado não se levanta a questão do repensar a noção de Sociedade Civil. Entendemos que essas duas categorias estão interligados uma à outra. Não se pode conceber a vontade de reformulação do Estado sem se perguntar por esse outro contrapeso da vida política que é a Sociedade Civil.
A lógica neoliberal que procura eliminar a interferência do Estado na esfera econômica e social privilegia politicamente o poder do Estado. Basta observar as reformas políticas em curso atualmente, que pretendem sempre iniciar pelo Estado, para perceber que elas não ensaiam um crescimento qualitativo da política. Entretanto, é claramente perceptível que os neoliberais não estão interessados no crescimento da qualidade política dos cidadãos. Por isso mesmo pensam em reformular tão somente o Estado e todo o aparelho estatal. Agem assim porque as reformas políticas a partir do Estado possibilitam a continuidade dos benefícios que as elites econômicas e políticas sempre foram acostumadas a obter da máquina estatal ou com o seu consentimento.
Começar as reformas políticas pelo Estado é esbarrar num projeto fadado ao fracasso, do ponto de vista da qualidade política. É preciso atentar para a concepção de Estado que é defendida quando se faz uma opção desta. Nela, o Estado é concebido como um fim em si mesmo que se auto-regula e que pode agir livremente sem preocupar-se em prestar contas a nenhuma outra instância social.
Compreendemos que os grandes rumos da política de um país, de um estado ou de um município deve ser discutido e delineado na Sociedade Civil, porque é nela que atuam a maior parte dos sujeitos sociais e será ela mesma a beneficiada dos acertos políticos. Portanto, nada mais justo e sensato que ela possa ser a principal elaboradora dos grandes projetos políticos. O Estado tem de ser a instância aberta ao diálogo e executora das proposta travadas e elaboradas junto à Sociedade Civil.
Não estamos propondo um basismo, pelo contrário, não defendemos a existência de uma democracia direta e nem um exclusivismo da democracia representativa. Pois, ao nosso ver, na complexa sociedade na qual estamos inseridos, é inviável tanto a prática exclusiva de uma como de outra. Talvez, um caminho adequado seja a adoção de uma democracia híbrida, onde se pratique, de modo equilibrado, a via da democracia direta e representativa. Só assim, haverá possibilidades para os menos favorecidos, sobretudo, a classe trabalhadora e aqueles que vivem no mundo do sub-emprego.
3. A REALIDADE DO MUNDO DO TRABALHO
“O trabalho, no sistema de produção de mercadorias, entrou em crise, sendo reorganizado em volume e em qualidade em função das inovações tecnológicas e de gerenciamento. Tal crise que afeta o trabalho, também envolve o enfraquecimento de mercados consumidores e a fragilização das economias dos diversos países que vem perdendo sistematicamente a concorrência comercial. A crise econômica que iniciou pelos países do Terceiro Mundo no anos 80, chegou aos países socialistas em 1989 e já atinge aos países ricos. Em um número cada vez maior de países está diminuindo a capacidade aquisitiva das massas, limitando-se a maior parcela do consumo global a setores cada vez menores. Relatórios do Banco Mundial afirmam que o aumento do número de pobres no mundo todo nos anos 90 é um dos problemas mais graves a ser enfrentado: 73% da população mundial detém apenas 15% da riqueza produzida no planeta (27). Isso se agrava cada vez mais em razão do progressivo aumento do desemprego, que na Espanha atinge a casa dos 20%, enquanto na França, Itália, Canadá gira em torno de 10% e na Alemanha e Inglaterra na faixa de 8%. As empresas gigantescas no mundo todo promovem um processo de readequação envolvendo racionalização de custos e novos gerenciamentos a fim de aumentar a produtividade com menos gastos para enfrentar as concorrentes. Em razão disso, a IBM demitiu mais de 20.000 funcionários nos últimos anos; a G.M. que amargou um prejuízo de US$ 4,5 bilhões em 1991, definiu então um programa que previa, em quatro anos, eliminar 74 mil empregos e fechar 12 fábricas até 1995, a fim de voltar a obter lucro, tornando-se mais competitiva. Entre as demissões da G.M. no mundo inteiro estão as realizadas em São Paulo, envolvendo milhares de trabalhadores”.
“Este processo de modificações na economia capitalista vem agravando cada vez mais a exclusão que é sempre inerente ao capitalismo. Inicialmente eram apenas bairros e periferias isolados que ficavam excluídos na marginalidade, transformando-se em focos de revoltas potenciais essas regiões existem em maior ou menor medida em todos as sociedades ocidentais; depois cidades e regiões inteiras foram engolidas no quadro da marginalidade dos movimentos do capital que se concentra em certas regiões com processos produtivos cada vez mais complexos, que resultam em mercadorias que serão levadas ao pontos mais distantes do globo em um disputa por mercados (ficando alijadas as áreas que não sediam processos produtivos qualificados e que não possuem significativo mercado consumidor em razão da pobreza global dos consumidores); agora já são países inteiros que estão falindo e se tornando casos sociais mundiais tem dívidas externas impagáveis, não sediam significativos processos produtivos e de exportação que permitam pagá-las e, por fim, possuem um mercado consumidor cada vez mais pobre e uma infra-estrutura que vai se obsoletizando rapidamente em função de não suportar as inovações tecnológicas, o que não atrai empreendimentos externos”.
4. A ESCOLA E O SABER
Levando em conta as análises feitas por Robet de que “o tipo de formação e de socialização promovido então pela escola facilitou a imigração para a cidade dos jovens do meio rural e a formação de uma classe operária instruída e competente: os jovens escolarizados pela República encontravam postos de trabalho à altura de suas novas qualificações”, vemos que na realidade atual há um contingente de desempregados batalhando por uma vaga nas frentes de trabalho e sofrem sobretudo, em relação a competitividade das empresas e o despreparo profissional.
A escola acaba se adequando a política do capital, gerando profissionais de acordo com as necessidades das empresas, vira um produto a ser vendido como mercadoria, gerando no campo educacional uma grande competitividade.
Há uma crítica acirradora quanto ao papel da Escola, dos profissionais em educação e a competência para a formação do jovem para o mercado de trabalho. Na verdade, pode se dizer que o saber, como saber absoluto está em ruínas. Se desvaneceu convertendo-se na sombra do negativo existente; porém certamente deveria acender-se para lograr ao menos o brilho da negação determinada. Religião, arte e filosofia podem aparecer com respeito ao conceito de eticidade com duplo valor. Quando fazem o mal uso do seu poder convertendo numa sorte de magia que faz aparecer como existentes relações da eticidade sempre sejam arte, religião e filosofia caem no domínio dos interesses particulares do mundo dilacerado e são ideológicos. Porém, quando fazem frente ao mundo existente, o mundo dilacerado, conservam deste modo a intenção pelo universal concreto e são críticos. Posto que a filosofia seu tempo captado em pensamento e não pode ir mais do mundo que lhe é contemporâneo, se encontra ela mesmo sob a lei da contradição existente objetivamente de modo tal que “aquilo que professa em direção ao exterior, é sua própria carência interna”. A filosofia que chega a ser consciente disso perde a consciência de sua autonomia. Hospedada na indigência da autoconsciência critica renuncia à riqueza da construção idealista da história, se emancipar, não obstante, de sua vocação para uma filosofia da história com intenção cosmopolita.
CONCLUSÃO
Diante de uma sociedade atual, marcada por uma grande crise que afeta os mais diferentes aspectos da humanidade; diante de um momento histórico marcado pelo desaparecimento dos propósitos e referências que guiaram a humanidade durante muito tempo; diante de uma crise da racionalidade que nos leva a questionar todos os esquemas ideológicos e científicos e tudo aquilo que pretende ser uma explicação suficiente do real, Robert Castel, nos mostra que é possível sonhar com uma sociedade mais justa e mais humana, onde a igualdade de condições é o bem maior, pois "os sonhos de uma vida melhor são os sonhos do verdadeiro homem em busca de sua identidade no reino da liberdade. São os sonhos de uma humanidade que quer uma ética diferente, mais humana e sobretudo emancipadora do homem e da sociedade." (Sebastião).
Robert Castel soube realizar a intrínseca e necessária relação entre a sociedade, gerando o que se pode chamar de práxis da utopia concreta. Sem perder as raízes marxista, ele colocou o homem no centro do protagonismo da história como um ser pertencente ao Estado Social, que está sempre direcionado ao trabalho e a produção econômica.
A nossa pretensão nessa reflexão sobre esse projeto antropológico-social apresentado por Robert foi uma tentativa de apresentar uma reflexão atual, que mostre o quanto ainda vale a pena lutar e sonhar; o quanto vale a pena ser solidário aos que sofrem, àqueles que são excluídos pela proposta neocapitalista. Queremos dizer que o sonho não acabou. O homem, cidadão do mundo, está sendo mais uma vez convocado a transformar o mundo, amar a luta da esperança e a edificar uma utopia mais do que nunca concreta. Desse modo poderemos construir um mundo mais humanizado e menos economista. Mais fraterno e menos desesperançado. Mas, para isso acontecer é preciso que cada homem tome consciência de que a Educação é o primeiro passo nesse processo de transformação pessoal e social.
BIBLIOGRAFIA
1. CASTEL,Robert. A Metamofose da Questão Social. Rio de Janeiro. Vozes.
2. FURTER, Pierre. A Dialética da Esperança. Uma interpretação do pensamento utópico de Ernst Bloch. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1974.
3. MARX, Karl. Manuscritos econômicos filosóficos. Tradução de José Carvalho. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultura, (Col. Os Pensadores).
4. MONDIN, Battista. I Teologia della Speranza. Torino: Borla Editora, 1970.
5. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. O marxismo depois de Marx e a escola de Francoforte. In : ______ . História da Filosofia. 2ª. ed. São Paulo: Paulus, 1991. (Col. Filosofia, Vol. IV; pp. 814-819).
6. BRITO, Manoel Francisco. "ONU alerta para o perigo da concentração de riqueza" in:Jornal do Brasil . 23 mai 91.
7. KURZ, Robert. O Colapso da Modernização., Editora Paz e Terra, 3ª edição, 1993
segunda-feira, 13 de julho de 2009
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