quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Educação Integral na Proposta Pestalozziana

"A vida educa.
Mas a vida que educa não é
uma questão de palavras, e
sim de ação. È atividade."

Educador suíço, fundador da escola primária popular, Johann Heinrich Pestalozzi, nasceu em Zurique, em 1746, e faleceu na Suíça em 1827. Filho de um pastor protestante de origem italiana estudou na cidade natal e participou do movimento pela independência da Suíça. Foi influenciado na fase juvenil pelo pensamento de Rousseau e por alguns aspectos do movimento romântico em particular, a exaltação da imaginação. Desde os tempos de estudante participou de movimentos de reforma política e social. Em 1774 fundou um orfanato onde tentou ensinar rudimentos de agricultura e comércio, iniciativa que fracassou poucos anos depois.

Publicou um romance em quatro volumes, bastante lido na época, sua primeira obra pedagógica de longo fôlego, o romance Leonardo e Gertrude, precedido dos aforismos de Os Serões de um Solitário, em 1780. O pensamento pedagógico juvenil de Pestalozzi é orientado pelos princípios rousseaunianos da educação seguindo a natureza, da educação familiar e da finalidade ética da educação.No horizonte fortemente rousseaunianos insere-se no fator-chave a educação: todo homem deve ser eticamente aperfeiçoado para agir como cidadão e tal aperfeiçoamento é obra, sobretudo, da educação e não apenas da natureza. Delineava suas idéias sobre reforma política, moral e social. Quando a cidade de Stans foi tomada durante a invasão napoleônica de 1798, Pestalozzi reuniu algumas crianças abandonadas e passou a cuidar delas nas mais difíceis condições.

Em 1798, dirige também um instituto para órfãos em Stans, organizado como uma família e destinado a educar intelectual e moralmente os rapazes afiliados. Interrompida a experiência em Stans, ele a continua em Burgdorf, com sucesso, fazendo seu instituto tornar-se uma meta européia das “viagens pedagógicas” de estudiosos e de políticos. Mas é em 1805, em Yverton, que Pestalozzi organiza o seu método educativo na forma mais completa: o seu instituto internacionaliza-se e teve diversos visitantes excepcionais (Frobel, Madame de Stael etc.). A sua experiência coloca-se como modelo educativo para toda a Suíça.

Em 1805, fundou o famoso Internato de Yverdon, que durante seus vinte anos de funcionamento foi freqüentado por estudantes de todos os paises da Europa. O currículo adotado dava ênfase à atividades dos alunos: apresentava-se no início objetos, simples, para chegar aos mais complexos; partia-se do conhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato, do particular para o geral. Por isso, as atividades mais estimuladas em Yverton eram desenho, escrita, educação física, modelagem, cartografia e excursões ao ar livre.

Pestalozzi antecipou a educação do Espírito. É pois, o precursor desta educação. A verdadeira educação, por ser a educação do Espírito, a educação que atinge as qualidades interiores, que faz despertar o Reino dos Céus, este conjunto de qualidades superiores que todas as criaturas de Deus possuem dentro de si, sem exceção de uma só.

Em sua última obra, O Canto do Cisne, Pestalozzi procura rever de forma resumida as suas idéias pedagógicas. Dela destacamos:

“O olho quer ver, o ouvido ouvir, o pé quer andar e a mão agarrar. Da mesma forma o coração quer crer e amar e o espírito quer pensar. Existe em cada um dos dotes da natureza humana um impulso que os faz elevar do estado elementar primitivo ao de adaptabilidade e perfeição. O inculto que ainda existe em nós é apenas um germe em estado potencial e não a verdadeira potencialidade.”

Podemos dizer que Pestalozzi, melhor do que Rousseau,colhe a pedagogia e a educação em toda a sua problematização, e também na sua centralidade e densidade democrática. E por isso continua a ser um dos grandes mestres da pedagogia contemporânea. A grandeza Pestalozzi reside na experimentação educativa constantemente retomada e aprofundada, e também na precisa finalidade antropológica e política que reconhece para a atividade educativa e a reflexão pedagógica. “A época da sua morte, Pestalozzi era a mais importante personalidade européia no âmbito educativo.” (CAMBI, 1999,p.419).
Pestalozzi era um homem inspirado por um espírito humanitário, buscando minimizar a situação do povo de sua época, entregando-se a este afã de corpo inteiro, pois acreditava que a educação seria o melhor meio para humanizar o homem, já que a finalidade da educação seria “a humanização do próprio homem, o desenvolvimento de todas as manifestações da vida humana, levada à maior plenitude e perfeição” (LUZURIAGA, 1978, p.175).

No contexto ocorrido do século XIX, onde a Europa abria-se com uma grande revolução cultural, revolução que significou uma nova forma cultural que abrangeu literatura e filosofia, ciência e arte, política e historiografia, música e costumes, acendendo amplos debates e operando uma transformação radical, do gosto qualificou-se como “romântica,” remetendo às tradições da Europa cristã medieval e exaltando os estados da alma indefinidos e conflituosos como geradores da nova cultura.

Pestalozzi foi o grande mestre da pedagogia romântica, que viveu os dramas da educação (os projetos, as dificuldades, as derrotas), reativa a noção espiritual de educação (animada pelo amor)mas também se engaja nas problemáticas sociais e políticas da própria educação, construindo um modelo complexo e problemático, inquieto e agudíssimo de pedagogia.

A pedagogia alemã como a filosofia, a literatura, a música etc, também fez escola na Europa; seus temas e seus autores circularam largamente nos outros países: sobretudo a teoria da educação escolar teorizada por Pestalozzi em Yverdon, que teve sucesso nos meios anglo-saxões e protestantes, ou seja, em toda a Europa setentrional, desde a Inglaterra até a Holanda, a Escandinávia e a Prússia. Com o romantismo pedagógico alemão estamos diante de uma fase intensamente criativa da pedagogia moderna, que fez amadurecer uma nova consciência epistemológica do saber educativo (reconhecendo-o como situado entre filosofia e ciência e colado problematicamente no seu ponto de intersecção), uma nova consciência educativa (social e histórica, ligada às necessidades do povo e aos objetivos da nação e /ou do Estado, mas também relativa ao “comportamento educativo docente,” capaz de agir para a liberdade do aluno, harmonizando autoridade e liberdade, nutrido-se de conhecimento psicológico e de “amor penseroso” e uma imagem igualmente nova dos dois maiores agentes educativos: a família, que deve reorganizar-se em torno de seu próprio papel educativo, pense-se em Pestalozzi, e a escola que deve tornar-se escola de todos e para todos, capaz de formar ao mesmo tempo o homem e o cidadão.

Pestalozzi encarnava as idéias de Rousseau e a sua fama superava a de Fiche; tinha efetuado uma “revolução prática” paralela à de Rousseau, mas, sobretudo tinha revivido, como educador, os problemas da pedagogia tal como se punham nos albores saciedade contemporânea (industrial e de massa) e os tinham enfrentado à luz de uma pedagogia talvez não muito rigorosa nem orgânica, mas alimentada pelos grandes princípios da cultura romântica e iluminada por uma nítida e forte concepção da educação como formação humana, ao mesmo tempo espiritual e sociopolítica.

Pestalozzi elaborou sua proposta pedagógica retomando de Rousseau a concepção da educação como processo que deve seguir a natureza e os princípios como da liberdade, da bondade inata do ser e da personalidade individual de cada criança. Libânio (1991, p. 61), ao analisar as idéias mais importantes de Rousseau, destaca:

1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais.

2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem.

Ao colocar em prática as idéias de Rousseau, Pestalozzi (1946, p. 13) defendeu uma educação não-repressiva e dedicou ampla atenção ao ensino como meio de desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente e do caráter. Para ele, “a educação verdadeira e natural conduz à perfeição, à plenitude das capacidades humanas.” Nesse contexto, é suma importância citar o pensamento pestalozziano da educação:

“A educação se constrói numa tensão permanente entre os desejos do homem natural individual e o desenvolvimento da natureza humana universal. A educação produzirá a universalidade a partir das particularidades e da mesma forma a particularidade a partir da universalidade.”

No centro do pensamento pestalozziano coloca-se três teorias: a primeira teoria a da educação como processo que deve seguir a natureza, retomada de Rousseau, segundo a qual o homem é bom e deve ser apenas assistido no seu desenvolvimento, de modo a liberar todas as suas capacidades morais e intelectuais. Isso significa que a educação deve desenvolver harmonicamente todo o homem, pondo ênfase sobre a “unidade das faculdades,” embora sublinhe que, na fase da maturidade, existe na natureza humana “preguiça,” “ignorância,” “ganância” e “leviandade” que só a educação pode ajudar a superar, como educação positiva e não apenas negativa, segundo Pestalozzi como também para Rousseau, a criança já tem em si todas as “faculdades a natureza humana”: ela é como um botão que ainda não se abriu,” mas “quando se abre cada pétala se expande e nenhuma permanece no seu interior,” e assim “deve ser o processo da educação.”

Conforme nos revela Pestalozzi, uma educação perfeita é para ele uma árvore plantada perto de águas fertilizantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades é colocada no solo. A árvore inteira é um cadeia ininterrupta de partes orgânicas, cujo plano existia na semente e na raiz. O homem é como uma árvore.

A segunda teoria a da formação espiritual do homem como unidade de “coração,” “mente” e “mão” (ou arte), que deve ser desenvolvida por meio da educação moral, intelectual e profissional, estreitamente ligadas entre si. A educação moral como sendo formadora da moral e da inteligência do homem, em outras palavras, como sendo o elemento que desenvolve toda a potencialidade existente no ser humano, por isso que compreender a educação é saber direcionar o homem no mundo. Educar é trabalhar tanto a inteligência quanto a moral, para que o homem saiba, através da moral, o que fazer da inteligência. O homem moral se preocupa com o interior para melhor equacionar o exterior.

Para Pestalozzi o próprio desenvolvimento da razão e sua capacidade de compreender e de pesquisar a verdade está relacionada com a elevação de sentimentos. Em Pestalozzi, existe uma apreensão unitária do homem, onde razão, sentimento e ação, se integram e se entrelaçam. Ele propõe uma educação integral do homem, para desenvolver harmoniosamente todas as potências do espírito, simbolizadas na tríade: cabeça, coração, mão. Essas manifestações da formação integral do homem ocorrem através de três capacidades do ser: o espírito, o coração e a mão ou, em outras palavras, a vida intelectual, a vida moral e a vida prática ou técnica, as quais devem ser desenvolvidas de forma integral e harmônica.

Nesse contexto podemos destacar o espírito da educação moral, de acordo com a seguinte proposta pestalozziana: A educação na escola e na família deve ser regida por uma filosofia espiritualizante; essa filosofia deve basear-se na visão do ser integral. O primeiro objetivo da educação através dessa filosofia é a formação moral do educando. Nesse sentido compreende-se a formação moral como sendo a formação do caráter do educando, através da compreensão das virtudes e sua prática. Para que possa plenamente fazer a formação moral, o ensino deve estar conjugado com a realidade vivencial do educando. A moral é antes de tudo um despertar de sentimentos elevados.

A educação moral ou religiosa era considerada por Pestalozzi como a de maior significado na formação do ser humano. Para ele, toda a educação intelectual se converte em um espectro quando não é vivificada por ela. A educação moral não consiste na instrução ou na ilustração da moral, mas na formação de valores e modos de agir coerentes. Como disse Pestalozzi (1946, p.16), “a educação moral mais que ensinada, tem de ser vivida. A vida educa. E o fim da educação moral não é outro que o aperfeiçoamento, o enobrecimento interior, a autonomia moral.”

Compete à educação levar o homem para objetivos definidos em sua vida, em que ele tome atitudes baseadas na sua plena consciência, sabendo que não vive isolado ou apenas para si, mas numa coletividade, numa sociedade organizada em que, se tem direitos, possui também deveres. A educação do caráter gera responsabilidades. A educação integral gera seres sensibilizados, com sentimento no coração, que irão buscar o desenvolvimento da inteligência para o progresso comum. A educação é um ato de amor. Pestalozzi acreditava que o homem, através do amor, pode ser treinado para tornar-se cada vez mais humano. “O amor é a única e eterna base sobre a qual nossa natureza pode ser educada para a humanidade” (PESTALOZZI, 1969, p.4).

Quando o homem se deixar possuir pelo mal pode-se ter certeza de que o fez porque o caminho para o bem lhe foi negado. Todavia, se lhe for dada uma segunda chance, seu coração florescerá no bem novamente, por isso Pestalozzi insiste tanto que seguir o coração é o mais importante para o homem. A máxima de Pestalozzi para se ter uma vida que reflita o bem se deve buscar sempre a harmonização com a Natureza do homem, que é fruto dos desígnios divinos, tornando assim a vida terrena céu e buscando sempre seguir a paz, fazendo o certo e pedindo muito pouco.

Na verdade, um homem pode por um tempo de sua existência viver sem fé, amor, atividade, mas sua capacidade para a fé, amor, razão e atividade nunca irão todas juntas morrer sem ele. Quando alguém faz o apelo certo para o que de bom há no coração humano, certamente verá este coração se abrir. Nosso coração deve vive, trabalhar e tolerar. Isto é o que importa mais. O coração empresta cores para tudo o que o homem vê, ouve e sabe. Tudo o que eu poderia ser, eu o sou pela virtude do meu coração. Nossa terra é o céu se nós buscamos a paz, fazemos o certo e pedimos muito pouco (Pestalozzi, 1969, p.10).

A grande vitória que o homem pode ter é a vitória sobre ele mesmo. Sua força interior é a sua maior fortuna, auxiliando-a a descobrir-se e superar-se, a ver-se como uma parte de Deus. Quando resolvemos voltar para a nossa primeira natureza, harmonizando-a com a divindade, teremos a paz no coração. Somente quando o homem se volta para seu interior, respeitando o que exista de bom em si mesmo, é que ele será capaz de respeitar o outro, “o auto-respeito é o verdadeiro meio para a união da espécie humana" ( PESTALOZZI, 1969, p.14).

Nesse ponto reside a moral para Pestalozzi: no respeito à nossa Natureza, no conhecimento, na prática e no desejo de Deus, este leva a desejar o certo, a deixar-se guiar pelo coração que vale mais do que o simples cultivo do intelecto. Fazer aos outros o que desejamos que seja feito conosco porque está correto e não para adular e agradar ao outro, nesta máxima reside a felicidade humana e somente Deus e o amor podem nos levar a essa prática, tão necessária ao desenvolvimento de nossa humanidade. “ Eu sou feito das forças físicas, sociais, e morais. A primeira advém de minha Natureza animal; a segunda de minha associação com meus iguais; mas a terceira vem somente de meu interior quando empenhado na virtude" ( PESTALOZZI, ibid, p.15).

O homem é um ser que deve lutar sempre contra a arrogância e o egoísmo e capacidade de adaptação são virtudes que devem ser cultuadas, pois só assim o homem poderá perceber que as dificuldades que advém de sua vida são provas divinas para o seu aperfeiçoamento enquanto ser humano. Os desejos devem ser controlados, pois eles muitas vezes exigem do homem coisas das quais seu corpo não necessita para viver; os únicos desejos que devem ser alimentados são os de amor, solidariedade e humildade. “Um homem que acumula bens sem intenção de se autoprover é como um cachorro que agarra ossos que não irá comer” ( PESTALOZZI, ibid, p. 17).

A educação do homem é um resultado puramente moral. Não é o educador que lhe dá novos poderes e faculdades, mas lhe fornece alento e vida. Ele cuidará apenas de que nenhuma influência desagradável traga distúrbios à marcha do desenvolvimento da natureza. Os poderes morais, intelectuais e práticos do homem devem ser alimentados e desenvolvidos em si mesmos e não por sucedâneos artificiais. Deste modo, a fé deve ser desenvolvida pelo próprio ato de crença, e não com argumentos a respeito da fé; o amor pelo próprio ato de amar, não por meio de palavras a respeito do amor; o pensamento, pelo nosso próprio ato de pensar, não por mera apropriação dos pensamentos de outros homens, e o conhecimento, pela nossa própria investigação, não por falações intermináveis sobre os resultados da arte e da ciência.

A formação do homem é um processo complexo que se efetua com a educação integral, entendida como observação intuitiva da natureza, que promove o desenvolvimento intelectual, o qual por sua vez promove um desenvolvimento moral, de modo a produzir no sujeito um sentimento de harmonia tanto com o mundo exterior quanto com o interior, que realiza a elevação do homem à autêntica dignidade de ser espiritual.

A terceira teoria a da instrução, à qual Pestalozzi dedicou a mais ampla atenção e que desenvolveu particularmente em Como Gertrude instruiu seus filhos, de 1801, segundo a qual, no ensino, é necessário sempre partir da intuição, do comando direto com as diversas experiências que cada aluno deve concretamente realizar no próprio meio. Sem o fundamento intuitivo, toda “verdade,” para os rapazes, é apenas “um jogo tedioso” e inadequado às suas capacidades.

Para Pestalozzi, a intuição não se limitava à mera visão passiva dos objetos, à contemplação das coisas, mas incluía a atividade intelectual por meio da qual eram criados os objetos. Conforme Pestalozzi (1946, p.15): “Esse conhecimento pode ser manifestado de maneira elementar pelo número, pela forma e pela palavra, que são produtos da inteligência criados por intuições maduras e que devem ser considerados como meios para a progressiva precisão de nossos conceitos.”

A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve de dentro para fora, idéia oposta à concepção de que a função do ensino é preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior do educador, a de saber ler e imitar a natureza em que o método pedagógico deveria se inspirar.

"A criança, na concepção de Pestalozzi, era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude." Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século 19 para o 20, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. "Segundo ele, o amor deflagra o processo de auto-educação." Pestalozzi projetou suas idéias em ação de amor e socorreu crianças órfãs, educou pobres e ricos, ajudou a erguer um novo conceito de educação, teorizando e praticando uma pedagogia do amor. Cada educando é uma inteligência despertando para a vida, e mais do que isso é uma consciência moral que desabrocha. Essa inteligência e essa consciência precisam de aceitação e compreensão, pois do contrário se ressecam, tornam-se amargas, voltam-se para a rebeldia e a maldade. A violência física e moral contra o educando é um estímulo negativo que desperta as suas reações inferiores. Só o amor educa, fazendo-os crescer no bem.
A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Pestalozzi, segundo a educadora Dora Incontri, "experimentava sua teoria e tirava a teoria da prática," nas várias escolas que criou. Pestalozzi aplicou em classe seu princípio da educação integral isto é, não limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça, a mão e o coração.

Para Pestalozzi a ação é importantíssima para a aquisição de conhecimento, agindo é que se conhece, o homem é ação , a vida é ação, consequentemente os livros não dão conta do conhecimento produzido pelo homem em seu cotidiano de ação constante, então, a vida deve ser a base da escola e da educação. Pestalozzi chega a comparar o conhecer e o fazer com o céu e a terra: para chegarmos ao céu temos que agir, trabalhar muito na terra; o mesmo ocorre com quem deseja conhecer. Nem artes, nem livros, mas a vida é a verdadeira base do ensino e educação. Qual a utilidade de todo conhecimento para o homem que não sabe quando seu pão de cada dia virá ?

Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade.
Ciente da função social da escola, Pestalozzi postulou a difusão do saber universal a todas as classes sociais como condição para se alcançar a dignidade humana. A esse respeito, Manacorda (1989, p.266) transcreveu palavras de Pestalozzi:
O aluno, seja qual for a classe social a que pertença e a profissão a que esteja destinado, participa de certos elementos da natureza humana que são comuns a todos e constituem o fundamento das forças humanas. Nós não temos direito algum de limitar a qualquer homem a possibilidade de desenvolver todas as suas faculdades; não temos o direito de negar à criança a possibilidade de desenvolver nem que seja uma só faculdade, nem mesmo aquela que, no momento, julgamos não essencial para a sua futura profissão ou para o lugar que ele terá na vida.

Era propósito de Pestalozzi (1946) descobrir as leis que propiciassem o desenvolvimento integral da criança. Concebia a criança como um organismo que se desenvolve de acordo com as leis definidas e ordenadas e contém em si todas as capacidades da natureza humana. Essa capacidades se revelam como unidade da mente, coração e mão (ou arte), e devem ser desenvolvidas por meio da educação intelectual, profissional e moral, estreitamente ligada entre si.

A concepção pestalozziana da educação, aponta para uma epistemologia da educação, onde a observação da criança e da experimentação pedagógica, aliada à articulação filosófica e a um sentimento de religiosidade do educador são partes constituintes da pedagogia e ao mesmo tempo maneiras de conhecer o homem. Os princípios educacionais de pestalozzianos:

1- Pestalozzi tinha fé indomável na educação com o meio supremo para o aperfeiçoamento individual e social. Ele democratizou a educação, proclamando ser o direito absoluto de toda criança ter plenamente desenvolvidos os poderes que Deus lhe havia dado.

2- Psicologizou a educação. Quando não havia ciência psicológica digna desse nome, e embora ele próprio tivesse apenas as mais vagas noções sobre a natureza da mente humana. Pestalozzi viu claramente que uma teoria e uma prática corretas de educação deviam ser baseadas numa tal ciência.

3- Foi o primeiro a tentar fundamentar a educação no desenvolvimento orgânico mais que a transmissão de idéias. O desenvolvimento é uma aquisição gradativa de poder. Cada forma de instrução deve progredir de modo lento e gradativo.

4- Pestalozzi revolucionou a disciplina, baseando-a na boa vontade recíproca e na cooperação entre aluno e professor.

É uma verdade universal que só é essencial e realmente educativo o que influi nos homens no conjunto de suas capacidades, isto é, coração, espírito, e mão. Tudo quanto não toca a totalidade de seu ser, não o toca naturalmente e não é humanamente educativo na extensão da palavra. A verdade e o amor são os maiores remédios deixados por Deus para o homem doente que perdeu o caminho de sua Natureza; o homem deve sempre buscá-los e ânsia-los para a sua vida.

Foi em 1798, em Stans, que Pestalozzi desenvolveu os princípios metodo lógicos fundamentais do seu ensino: o método intuitivo e o ensino mútuo. Pestalozzi buscava um método que unisse todas as partes do homem, que o trabalhasse em sua totalidade, sem negligenciar sua origem e seu fins. Esse método de educação integral, o educando aprende pela experiência. Quando colocado frente a uma situação real ou simulada, próxima à realidade, quando o educando se vê diante de uma situação-problema em que ele tem de encontrar a solução, então aprende a raciocinar, a analisar, a pensar e a agir.

O educando não aprende decorando definições, mas, compreendendo conceitos. Pela prática ele compreenderá a teoria e não o inverso. Pestalozzi criou um método próprio, que sempre partia do mais simples ao mais complexo, da unidade ao composto, da observação à teoria, e assim por diante.

A metodologia pestalozziana e a orientação básica da educação integral era a formação do caráter, para construção do homem total , para o equilíbrio entre o sentimento e a razão, destacando a importante função do amor, porque não pode existir educação fora do amor.

Com a preocupação de viabilizar de modo articulado o desenvolvimento intelectual e moral do homem, Pestalozzi estabeleceu alguns princípios para o seu método de ensino: partir do conhecido ao desconhecido; do concreto ao abstrato, ou do particular ao geral, por meio de uma associação natural com outros elementos e, finalmente, reunir no todo orgânico de cada consciência humana os pontos de vista alcançados.

Nesse contexto, podemos dizer que a intuição é uma visão interior e imediata do Espírito, englobando a intuição intelectual quando o Espírito percebe a verdade, uma intuição moral quando a consciência percebe o que é bem e o que é mal e uma intuição sensível quando os sentidos percebem os objetos do meio. A educação integral é o processo pelo qual esses poderes e qualidades se desenvolvem e vêem à tona, como a semente que se desenvolve e ressurge a árvore esplêndida, com suas flores e frutos.

A educação deveria estar alicerçada na “unidade vital” (homem, Deus e natureza) e os processos de exteriorização e interiorização deveriam nortear qualquer metodologia que viesse a ser utilizada com as crianças. “Estes processos de exteriorização e interiorização precisam da ação para mediá-los, necessitam de vida e atividade, não de palavras e conceitos“ (ARCE, 2002, p.181).

Pestalozzi não pode continuar sendo o “grande desconhecido” dos educadores atuais. Suas idéias e seu exemplo de vida são de profunda importância para todos os educadores. Pestalozzi continua atual, pois seus princípios revelam a verdadeira natureza da educação e, como a verdade, se mantêm sempre.

O papel do educador é despertar essa essência Divina no educando, para que ele,uma vez consciente de si mesmo, possa se modificar, trabalhar consigo mesmo e não ser governado ou dirigido. O educador acende a centelha ou desencadeia um processo através do qual o educando vai atingir a sua autonomia moral. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que providencia as condições para a planta crescer, devendo providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda.

A pesquisadora Dora Incontri vê na obra dos filósofos da educação anteriores ao século 19 uma concepção do ser humano “mais integral” do que a que passou a prevalecer então. Segundo Dora, naquela época a ciência, incluindo a pedagogia, se tornou materialista. Pensadores como Pestalozzi levaram em conta aspectos hoje negligenciados, como o espiritual. “Ela lamenta a ausência dessa dimensão. No seu dia-a-dia na escola ou em seus estudos sobre educação, você já sentiu a sensação de que falta algo á teoria pedagógica? Chegou a pensar que carência é essa? De que forma ela se reflete na prática?

O pensamento pedagógico pestalozziano repercuti na educação e na pedagogia moderna de modo extraordinário. Na educação integral a razão, o sentimento e os sentidos devem ser estimulados simultaneamente. Trabalhando ao mesmo tempo com o sentimento, com a inteligência e com os sentidos, estimula o desenvolvimento integral do Espírito, como ser que pensa, sente e age.

A vida afetiva e a cognitiva são inseparáveis, norteando a ação. Pestalozzi nos ensina que a razão, o sentimento e os sentidos devem ser estimulados simultaneamente. Assim, pois, embora estudados separadamente, é indispensável que os educadores, olhem a criança como um ser humano, que traz em si mesmo o germe da perfeição o conjunto de qualidades interiores a serem desenvolvidas para oferecer às crianças, experiências ricas que estimulem, ao mesmo tempo, a razão, o sentimento e a vontade.

Notas
1. Com toda valorização da Sociologia no século XX, quase ninguém sabe que Pestalozzi é considerado um dos pais da sociologia da juventude, muito antes de Comte e Durkheim enunciarem seus métodos. (Ver FLITNER, 1968).

2. Um homem não deve somente saber o que é verdade, ele deve ser capaz de fazer e desejar sempre o certo. Se você busca a verdade, não a persiga, mas espere, com paciência, amor e tranqüilidade. Se você fizer isso, ela virá até você sozinha. A verdade descansa na pedra como sua fundação. A mentira, entretanto, sempre se posiciona de um monte de razões, como se estivesse escondida atrás de um monte de pedregulhos. A luz da verdade e a chama do amor iluminam a escuridão, revelando o seu trabalho que ilumina o dia. Modéstia é colega da sabedoria e irmã da inocência. Todo conhecimento humano descansa nas forças de um bom coração e persegue a verdade ( PESTALOZZI, 1969, p.70).

3. Uma pequena sementinha já possui dentro de si, em estado latente, todas as qualidades da árvore adulta: o tipo de folha, o perfume da flor, as características do fruto... tudo está dentro da semente em germe, e somente necessita de estímulos para germinar.

4. A vida nos dá a forma, e a vida que nos dá forma não é só palavras, mas ação, é realidade. O homem aprende pela ação e é encorajado pela ação feita com palavras! Oh ação sagrada, mãe dos atos! A não ação é pai de ações erradas ( Pestalozzi, 1969, p.37).

5. Dentre esses princípios, o que mais se destacou foi o da percepção sensorial como fundamento de todo o conhecimento. Como dizia Pestalozzi (1946, p. 63), “a intuição da natureza é o único fundamento próprio e verdadeiro da instrução humana, porque é o único alicerce do conhecimento humano.” O fundamental não era ensinar determinados conhecimentos, mas desenvolver a capacidade de percepção e observação dos alunos. O método intuitivo leva a criança, através da percepção, a chegar à conclusão lógica através da observação, comparação e análise, onde ela vai perceber e sentir a realidade em seu íntimo.

6. As concepções pedagógicas de Pestalozzi repousam na idéia de que a fonte de todos os conhecimentos se acha na intuição e foi com este princípio que Pestalozzi sustentou o seu trabalho de assistência educacional e filosófica, o qual recebeu o título de "Pai dos Pobres", gravado posteriormente em seu túmulo. Foi com esse trabalho de anos de dedicação pelos marginalizados sociais, principalmente com as pessoas portadoras de deficiência que Pestalozzi hoje recebe a homenagem de ter o seu nome, como referencial das Sociedades Pestalozzi, instituições que prestam atendimento a pessoas portadoras de necessidades especiais.

7. Na verdade ele buscava o desenvolvimento da satisfação íntima do indivíduo. Portanto, a atividade que Pestalozzi buscava não se limitava ao simples atuar na realidade, mas buscava satisfazer às mais íntimas necessidades, aos mais profundos interesse do ser humano, fazendo com que se revelassem para o próprio indivíduo. Além de conhecer e pensar, também agir, e essa ação é necessária, pois traz em si a vontade de expressão das necessidades do indivíduo, que são as motrizes de todo ato educativo. O indivíduo educa-se porque possui vontade, necessidades e, na busca da satisfação destas, ele conhece e pensa.

8. Educação é, portanto, o desenvolvimento natural, progressivo e harmonioso de todos os poderes e faculdades do ser.

9. Sensibilizar, pois, é uma das atividades mais importantes de todo processo educativo.Segundo Pestalozzi, o sentimento superior de quem já desenvolveu em si a capacidade de amar, pode servir de estímulo ao desenvolvimento do mesmo sentimento, no educando. Ao vibrarmos amor, nosso sentimento atinge as criaturas que nos cercam, envolvendo-as em energia superior, que lhes aquece o “germe” Divino, propiciando condições para o seu desabrochar. Eis a função principal do educador: despertar na criança o germe que ela já possui, auxiliando o seu desenvolvimento, através de experiências e vivências adequadas. Para isso, o próprio educador precisa vibrar em níveis cada vez mais elevados, criando condições para que o educando também aprenda a vibrar de forma superior, ou seja a amar.O estímulo superior “acorda” o germe divino do superconsciente, propiciando condições para o seu desabrochar.A ação no presente transforma o germe em patrimônio do Espírito.

10. Um dos mais nobres objetivos da educação, em seu sentido mais profundo, a educação do Espírito, é desenvolver essa essência Divina que todos trazemos em nós, fazer a flor se abrir e espalhar seu perfume.


Referências bibliográficas

ARCE, Alessandra. A pedagogia na era das revoluções: uma análise do pensamento de Pestalozzi e Froebel. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2002.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.

FLITNER, Andréas. Os problemas sociológicos nas primeiras pesquisas sobre a juventude. (In: Sociologia da juventude. Rio de Janeiro: Zahar, 1968).

GADOTTI, Moacir. História da idéias pedagógicas. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1997.

INCONTRI, Dora. Pestalozzi : educação e ética; São Paulo: Scipione, 1997.

LIBÂNIO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.

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